2004-02-28

O queijo da serra

Invariavelmente procuramos nos outros aquilo que tantas vezes temos.

Um problema com que qualquer economia se depara relaciona-se com a procura e aproveitamento dos seus recursos endógenos. Claramente Portugal vive uma realidade conjuntural complicada. Fecham fábricas, fogem investimentos e deslocalizam-se negócios. Mas esquecemo-nos tantas vezes de olhar para dentro, para as nossas competências, para a nossa terra, para o nosso passado.

Estava no outro dia à frente da charcutaria de um supermercado e procurava perceber os diferentes tipos de queijos importados, imaginando se nestes países, por exemplo, o nosso queijo da Serra da Estrela, ou qualquer outro, por lá parava. Penso que não, pelo menos não através de uma estratégia de internacionalização dos seus produtores.

Existem certamente por este país fora muitos produtos que podem ser competitivos no mercado externo. Não me refiro à quantidade de produção, mas à capacidade de gerar e promover marcas, à visão de apostar na qualidade, sem esquecer o essencial destes produtos, o que os distingue, ou seja, o que os torna únicos. Os nichos de mercado são por vezes uma importante fonte de receitas, devido à excepcionalidade e exclusividade próprias, onde a concorrência é pequena e difícil.

Até aqui, salvo algumas (raras) excepções, o tecido empresarial e cooperativo tem apostado e consumido recursos em associações de produtores que se centram na capacidade de produzir (quantidade), nas relações informais e ambições pessoais, pouco profissionais, onde a palavra gestão significa muito pouco.

Esquecem-se da mais básica ferramenta da gestão moderna: o marketing.

Muito se tem investido, essencialmente através de fundos comunitários, na reconversão de explorações e empresas, mas pouco tem sido feito para desenvolver o mercado. Dou o exemplo do procurado “Pata Negra”: os agricultores portugueses criam muitos destes animais, gerando pouco valor acrescentado e os espanhóis embalam-nos e colocam no mercado internacional e doméstico. Como resultado nós produzimos e eles colocam o rótulo e tratam da distribuição, controlam a venda, logo as receitas. Este é apenas um dos muitos exemplos.

Gostava por isso de alertar para que se aposte naquilo que durante tantos anos soubemos fazer bem, que fazendo parte do nosso quotidiano, tantas vezes nos esquecemos que tem um valor capital, em especial nas zonas mais deprimidas, no interior, no espaço rural.

O Algarve não é excepção! Pouco se tem feito para estimular o tecido produtivo. Onde está o parque tecnológico, onde está a plataforma integrada digital, onde está a diversificação real do turismo, onde estão as marcas “Laranja do Algarve”, o “Sal Tradicional”, os “Enchidos de Monchique”? Provavelmente ainda nos gabinetes...

Mas por outro lado, também não existem incentivos para surgirem empreendedores. As escolas e as universidades não quiseram acompanhar as necessidades do mercado, formam pessoas pouco preparadas para liderar, investir, criar e desenvolver.

Aposta-se numa educação formal, pouco dinâmica e essencialmente empírica, onde os seminários curriculares são escassos, onde os professores convidados são permanentes, sem que a realidade esteja acessível.

Por cá vamos vivendo com um grande bocejo. Até acordarmos e já nada podermos fazer. Assim se vive em Portugal e nos Algarves...

Publicado a 26 de Fevereiro de 2004 no Jornal do Algarve

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