2005-08-09

…Fogo que arde sem se ver

Publicado no Magazine do Algarve de Agosto
Jorge Lami Leal

Vivemos tempos desesperados e desesperantes. Sobrevivemos ao tempo que tão pacientemente nos colocou aqui.

Parece que o fogo arde realmente sem se ver, tal tem sido o resultado das políticas e dos investimentos dos sucessivos governos da República.

A incessante saga que assola o País nos meses do Verão, sem réstia de escrúpulos ou piedade, é de facto característica das sociedades doentes, ou pelo menos letárgicas. Quantos mais hectares terão de arder (quantos mais teremos para arder) para finalmente capacitar o País de meios próprios de prevenção e de resposta profissional?

As televisões mostram o fogo, mas não os estragos psicológicos e económicos reais, concretos e subsequentes, apenas pessoas que emocionadamente soluçam a sua desolação, ante um espectáculo de labaredas altas, que compõem as imagens em todos os canais nacionais, insensibilizando a população, que já se resignou. Pelo menos até bater à sua porta.

Quantos proprietários florestais e de terrenos em zonas agrícolas (onde se incluí o Estado) descuram a sua limpeza? Não será um crime por negligência? Por outro lado, existem países a evoluir estes pontos fracos para oportunidades: transformando a lenha proveniente da limpeza florestal em biocombustível. É uma questão de visão...

Têm sido criadas estruturas de protecção civil e outras semelhantes que ora se fundem, ora se cindem, para depois se voltarem a fundir, ao toque da dança do poder, quando existem instituições militares com capacidade humana e material para defender o País de um inimigo odioso e que anualmente retira às gerações seguintes, uma parte do seu futuro!

O papel preponderante que as Forças Armadas desempenharam até ao séc. XIX e, um pouco depois, no decorrer da Guerra do Ultramar, está ultrapassado. É necessário repensar, à luz da escassez de recursos, o seu papel na sociedade actual? A segurança territorial já não depende destes efectivos. O papel reservado a estes funcionários do estado deve evoluir! Tomei como uma nota de humor os destacamentos do Exército Português que passeavam as suas G3 pelas matas e florestas em 2004. Hoje, no entanto, acredito que podem ser uma arma de dissuasão eficaz, quando combinada com uma legislação mais apertada e punitiva para os que, directa ou indirectamente, provocam e facilitam, ano após ano, este flagelo.

Porque não criar a especialidade militar de sapador florestal? Uma unidade de elite, altamente formada, com um número considerável de militares, para servir o País numa área altamente deficitária. Os recursos humanos estão lá, a passear pelos quartéis, até passarem à reserva com 40 ou 50 anos... falamos tanto em regalias, aqui está mais uma...

O modelo actual está esgotado. Em resumo, resta-nos a profissionalização dos bombeiros florestais, quer seja usando recursos existentes, como referi anteriormente, ou reafectando outros. Chega de amadores, tantas vezes sem formação, material e coordenação, apenas a vontade de vencer o fogo e uma coragem só reconhecida nesta altura. Embora haja espaço para voluntariado, o Estado deve assumir definitivamente este encargo. Os “heróis voluntários” devem ser tendencialmente substituídos por “profissionais altamente capacitados”. Caso contrário, resta-nos escrever o epíteto das nossas florestas.

As boas práticas e técnicas como o benchmark devem ser acima de tudo ferramentas dirigidas à melhoria contínua do serviço que é providenciado, também para o Estado. Especialmente pelo Estado. Aqui ao lado, na Andaluzia, estão exemplos reais de como foi possível minimizar o flagelo dos fogos, alterando a sua dependência funcional e o enquadramento legal. Em poucos anos, resolveram o problema dos incêndios.
Basta conduzir uns quilómetros pela região vizinha, com estradas ladeadas por hectares de floresta verdejante, para verificar os resultados de uma verdadeira política florestal… por oposição, faça um percurso pelas nossas serras e descubra um cenário verde, intermitente com o negro do que já foram sobreiros, alfarrobeiras e castanheiros, entre outros, assombrando a viagem...

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