2005-12-14

O País Real
Publicado no Região Sul

Dá-me um certo gozo quanto oiço falar do “País Real”. Trata-se de um conceito alargado que pretende descrever uma realidade concreta, ainda que abstracta (?!?!).

Embora os candidatos presidenciais já tenham entrado em explicações sobre como vão, cada um à sua maneira, salvar esta nação “valente e imortal”, estou algo apreensivo sobre um assunto que a grande maioria dos cidadãos portugueses, o tal “povo”, ainda não teve tempo de reflectir, pelo menos de forma clara e ponderada. Mas também, com tantas distracções, como os incêndios, as eleições, a “nouvelle” guerrilha civil francesa, a subida, ou não, das taxas de juro, enfim, os problemas do costume...

...refiro-me concretamente à falência da Segurança Social daqui a 10 anos, pelo menos como a conhecemos hoje. Preocupa-me por duas ordens de razão. Primeiro, porque quando chegar a minha vez, pelo andar da carruagem, não vou receber em função do “contrato” que firmei quando me inscrevi como contribuinte, depois, porque os responsáveis pelo estado a que chegamos (parafraseando Salgueiro Maia), já estarão (alguns já estão) reformados, no mínimo.

Chegou o tempo de lançar o debate com algumas questões, sobre as quais, embora sem resposta à vista, devemos reflectir. Este deve ser, também, o papel dos candidatos presidenciais.

Enquanto não for reformulada a máquina fiscal, parece-me que muitas receitas vão continuar a ser sonegadas a todos nós. Mas o principal problema não é esse, ou pelo menos não é a questão política essencial, embora contribua absolutamente para a resolução do problema. A questão que é necessário lançar, e penso que vai começar a ser lançada, com calma para não assustar, reside no tipo de protecção social, assim como de Saúde, que queremos do Estado. Estas duas perguntas devem ser aventadas quanto antes. O velho problema da falta de produtividade, do excesso de corporativismo da nossa sociedade, mesmo do excesso de sindicalismo, só serão verdadeiramente discutidos quando nos depararmos com um sistema de protecção social, vulgo Estado Providência, falido e em risco de não garantir muito daquilo para que foi “construído”.

Parece-me óbvio que é necessário limitar mais alguma coisa do que as reformas acima do vencimento do Presidente da República, ou as penalizações por reformas antecipadas. Estamos todos reféns dos desmandos e excessos que duas gerações cometeram. As que têm sido ininterruptamente eleitas! As gerações, designadamente, dos candidatos presidenciais. A renovação que temos sentido nos últimos anos é apenas superficial. Quem manda, continuará a faze-lo até à morte. Este acaba por ser o trade-off entre o Estado actual e o Estado Novo. Ou seja, os líderes históricos mantêm o seu poder de influência, e até por vezes real, como em certos partidos “democráticos”, e não só. Não digo que não haja democracia, ela está à vista. Mas existe uma oligarquia de decisores, económicos e políticos. Preocupam-me mais os políticos.

Mas claro que o discurso dos candidatos, dos “jovens” aos “anciãos”, assenta nos tabus, na idade, de onde saíram ou por onde passaram, das reformas que auferem do Estado, ou dos vencimentos (também) gerados no Estado. Discute-se igualmente, de ignóbeis pedestais intelectuais, quem conhece melhor o mundo, o Direito, as linhas e actores da política e das relações internacionais, quem esteve mais tempo exilado ou, simplesmente, quem leu mais livros (sobre temas não económicos, entenda-se), quem escreveu mais e quem mais falou...

Parece-me pois que, uma vez mais, a arrogância vai ser penalizada nas urnas. Ganhe quem ganhar!

Mas a nossa democracia, como aliás outras pela Europa fora, está com um grave problema. Não ao nível do desenho do sistema, mas da sua adesão. Refiro-me ao facto do Presidente, da Assembleia, dos Governos Regionais, dos Euro-deputados e do Poder Local, serem eleitos por minorias. Ou seja, a maioria absoluta que deu 8 anos a Cavaco Silva e 4,5 a Sócrates é, na realidade, uma minoria. Com taxas de abstenção ao nível das nossas, parece-me que a representatividade está definitivamente posta em causa.

Ora aqui está outro assunto para os senhores candidatos...

por Jorge Lami Leal

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