2006-01-13

[“a direcção do partido socialista devia ter feito uma reflexão, atempadamente, para que houvesse um só candidato”, que poderia obter o apoio do PCP. “Estivemos dispostos a colaborar numa possível coligação mas o PS não viabilizou qualquer proposta nesse sentido”, acrescenta]

Um dos ataques que é feito a Cavaco Silva está relacionado com o facto de ser apoiado por dois partidos da área do centro direita.

As eleições presidenciais são as únicas uninominais. Elegemos uma pessoa; que os partidos podem apoiar. E apoiam. Mas não acho moralmente ético criticar os outros daquilo que fazemos.

O parágrafo em cima revela que para o Partido Comunista Português, contra a constituição que tanto têm defendido, esta eleição é dos partidos. Estes devem decidir os candidatos. Estes devem combinar, se possível, as personalidades que devem ser apresentadas aos portugueses, para representar o seu nicho de esquerda.

As palavras em cima são reveladoras daquilo que sabemos passar-se em vários partidos. Nestas eleições, retirando Cavaco Silva e Manuel Alegre (Alegre com mais acuidade), todos os outros são puras propostas partidárias. Cavaco Silva avançou sozinho e os dois partidos tiveram que o apoiar, “obrigados” ou não. Noutras eleições, com outros candidatos, foi diferente, admito.

Garcia Pereira é um reputado especialista em Direito do Trabalho. Candidata-se, desconfio, porque tem a arrogância necessária para aguentar derrotas atrás de derrotas, mas ao mesmo tempo que ganha visibilidade, tem também oportunidade de discutir o que lhe apetecer, sem cordas nem amarras. É o mais livre. Por falar nisso, tem um vício burguês: possui um veleiro. É pois um homem do leme.

Francisco Louçã. É um académico brilhante que faz um esforço para encobrir q.b. a sua “veia” mais radical. Tem o dom da oratória e uma imagem e um discurso que apela a um certo eleitorado urbano, intelectual, de esquerda, com formação diferenciada e que renega as tradições operárias e de fato de macaco suado do velho PCP. É a nova esquerda, seja lá o que isso for.

Jerónimo de Sousa foi escolhido pela prestação que tem tido desde que assumiu a liderança do PCP, como forma de dar mais visibilidade ao rosto genuíno dos comunistas (que ele tão bem interpreta). É um candidato que não tem uma capacidade de argumentação e desenvoltura muito forte, embora ajude as palavras-chave e os conceitos interiorizados durante décadas de PC, que lá vai lançando. É no entanto, de todos, o mais humano e o mais acessível. É uma grande vantagem. Veremos os seus resultados. Mas penso que vai conseguir capitalizar no seu nicho.

Manuel Alegre quer ser uma espécie de virgem de 60 anos. Esqueceu-se de todo o seu passado e presente político. Assume uma ruptura contra si mesmo. É um “independente”. Não percebo bem de quê. Tem mais jeito para escrever que para falar (o que não seria problema, não fosse um candidato presidencial). É dono de uma voz fabulosa, patriarcal. Esta é uma vantagem, assim como o facto de ter aquele bom aspecto. É provavelmente o candidato com melhor aspecto. Tem uma figura saudável.

Mário Soares. É o mais experiente político português. Um líder político nato. É um provocador requintado. Um especialista da política. Viveu toda a vida dela (e para ela). E quer continuar mais uns anos. Tem o problema de se julgar o melhor. É arrogante. É prepotente e gosta de ter o poder. E tem. Enquanto for vivo, seja qual for o Secretário-geral do PS, ele tem um poder não negligenciável. Tem uma capacidade enorme de empatizar com o eleitorado. A sua idade é um óbice. Por muito que queira passar a imagem de moderno, não é; representa o passado. A campanha irritada que tem feito faz-lhe perder votos.

Cavaco Silva tem sido um político intermitente. Não é um “animal político”, a sua oratória não é conducente com o estatuto académico que tem, nem com a experiência governativa e política que ganhou. Foi, até hoje, o único Primeiro-ministro que conseguiu duas maiorias absolutas. Apontam-lhe críticas, mas os portugueses confirmaram-lhe o rumo. Duas vezes. Retirou-se para não perder. Perdeu Belém, depois. Retirou-se da cena política. Para alguns isso é quase um crime. Para aqueles que nunca conseguiram sair! Aparece agora com uma força brutal. Penso que ninguém esperava, sinceramente, a apoteose do lançamento da sua candidatura, nem os resultados das sondagens que tem tido. Criticam-lhe chamando-o controlador nato. Mas o Presidente da República não é um trabalho de equipa. Será Presidente; contra todos aqueles que querem acordar o terror do Estado Novo. A sua fisionomia não o favorece. Mas mais que a forma, parece que em 2006, os portugueses querem conteúdo.


Já falta pouco tempo para o desfecho da campanha mais triste que já assisti. Pessoas que integram por mérito próprio a nossa história recente, actuando como colegiais, como moralistas bacocos, ou, simplesmente, como detentores de qualquer característica que não consigo definir, mas que os torna cepa presidencial. Deve ser ADN. É coutada da esquerda… era…

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