2006-04-19

In vino veritas
Públicado no Região Sul (12 Abril)

Em declarações recentes, o Secretário de Estado da Administração Interna, em tom de chantagem, afirmou que, caso o sector vitivinícola não se envolva numa campanha que ajude a minorar os acidentes rodoviários provocados por excesso de álcool no sangue, o limite legal, que se encontra actualmente nos 0,49 gramas por litro de sangue, seria reduzido.

Em primeiro lugar, julgo que o Governo deveria dar instruções às forças policiais, no sentido de aumentar a fiscalização rodoviária, com operações de controlo de álcool no sangue. Conduzo diariamente desde os meus 18 anos, com praticamente 14 anos de carta, apenas soprei uma vez o “balão”. Mais importante que afectar recursos ao controlo de velocidade nos limites das localidades (onde a multa é mais fácil) porque não realizar acções de controlo e de sensibilização dos efeitos da condução sob efeito do álcool e estupefacientes, especialmente nas horas críticas?

Esta ameaça é disparatada porque confunde conceitos fundamentais e a responsabilidade do problema. O sector vitivinícola é um cluster com grande potencial económico, que deveria ser apoiado e não prejudicado. Este sector, onde já trabalharam um milhão de portugueses, está hoje reduzido a 250 mil, o que, ainda assim, é relevante. E os produtores de bebidas espirituosas? Já agora, desculpem-me a caricatura, mas o Sr. Secretário de Estado poderia avisar os narcotraficantes no sentido de darem também um contributo para a campanha…

A culpa dos acidentes não é de quem produz ou vende bebidas alcoólicas, mas dos que as ingerem, sabendo que vão conduzir. No limite, as empresas de tabaco seriam responsabilizadas directamente pelos custos de saúde gerados por fumadores, onde o tabaco tivesse uma acção determinante ou financiavam directamente as campanhas antitabágicas e não, como acontece actualmente, os consumidores, por via da carga fiscal associada.

A integração na União Europeia, em pleno, implica uma normalização, designadamente nos vários limites impostos por legislação, como este.

Os condutores que habitualmente (ou esporadicamente) conduzem sob o efeito do álcool só alteram este comportamento se o risco de fiscalização (e multa, claro) for grande. Infelizmente, o risco de acidente não é motivante, porque estas pessoas julgam-se os melhores condutores do mundo… já pagar uma multa ou ficarem inibidos de conduzir… já é outra “estória”.

A moldura penal deve dissuadir fortemente aqueles que são “apanhados” em falta, provoquem ou não acidentes. Uma medida que provavelmente traria resultados positivos seria a apreensão da viatura (desde que fosse do condutor, obviamente), que seria depois colocada ao serviço do Estado ou vendida em leilão, revertendo a verba para apoio à integração de pessoas incapacitadas, em resultado de acidente viário.

O ACP tem um serviço inovador - o ACP Noite -, embora limitado a Lisboa e arredores. Tem um slogan apelativo: “Quando estiveres com os copos, chama o Gregório”. O associado, em caso de alcoolização, pode requisitar os serviços de um motorista. Existem ainda uns carros amarelos e outros pretos com o tejadilho verde, que estão à distância de um telefonema, que levam qualquer um até casa.

Só conduz alcoolizado quem quer, porque existem alternativas.

Para baralhar as coisas, esta manhã (5 de Abril) o Sr. Ministro da Agricultura desautorizou o Secretário de Estado da Administração Interna, referindo mesmo que a alteração da taxa não estava em cima da mesa e quem tem competência sobre este assunto é ele, o Ministro da Administração Interna e o Primeiro-ministro. Disse ainda que o Secretário de Estado apenas fez um “desabafo”...

Vamos ver quais serão os próximos desabafos…

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