2007-09-14

Quem somos?
Publicado no Região Sul

A Ibéria preconizada por Saramago é um sonho, uma utopia ou uma perfeita parvoíce?

Ser português não se limita ao facto de nascer dentro das fronteiras seculares do país europeu definido geograficamente há mais tempo. Tão pouco é afunilar o conceito com qualquer discriminação racial ou até de mera genética. Ser português é uma atitude, uma predisposição e o resultado do ideário de D. Afonso Henriques: sermos e estarmos, porque já existimos. Depois dele, tantos heróis, anónimos e não só, ajudaram a expandir e a consolidar o conceito. Somos também o resultado da miscenização que as cruzadas e a giesta marítima iniciaram. Somos europeus por circunstância geográfica, africanistas por vocação, orientais por ambição e sul-americanistas por convicção, ou pela nostalgia de um sonho utópico.

Achar que a identidade de um povo está ao serviço das aspirações económicas é limitar profundamente o conceito de portugalidade e, ainda mais, rebaixar a nossa condição lusa. A ideia pubescente de Saramago, um auto exilado na sequência de uma birra com um governo, gostando-se ou não do seu trabalho, tem patente um sentimento edipiano.

Portugal existe muito para além dos portugueses. E estes, muito para além dos limites do território. Este pequeno ponto do globo, com pouco mais de 10 milhões de pessoas, insignificante para tantos, é o resultado da perseverança de alguns, com a complacência de outros. Mas é, acima de tudo, o resultado de uma qualquer força que nos mantém, face às ameaças, a maus reinados, a maus governos, à desleixada Primeira República, ao soturno Estado Novo, à perversão do PREC. E continua. Sabe-se lá o que nos mantém desde 1139 (ou do reconhecimento em 1143)...

Não acredito que a independência seja algum dia colocada verdadeiramente em causa. A não ser no plano académico ou intelectual. Até acredito que muitos o queiram e alguns o defendam. Mas não é, nem será, praticável. Quer a ideia seja a “absorção” ou a “fusão” com a vizinha Espanha, para além dos séculos de diferenças, não vejo qualquer interesse dos nossos “hermanos”, que já cá estão a facturar e a consolidar posições, que é que mais lhes interessa.

Independentemente do que escrevi acima, acredito que chegará a altura em que repensaremos Portugal. Não o País, mas as estruturas, as heranças monolíticas, os conceitos, os modelos, os sistemas. Mas isso levará o seu tempo. Os limites ainda não foram atingidos. Reflectimos sobre o pior quando estamos em baixo e desligamo-nos mais quando tudo melhora.

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