2005-11-22

A internacionalização das empresas portuguesas

A internacionalização não é difícil, nem carece de meios financeiros extraordinários, mas de uma cultura de gestão apropriada, de um ambiente político facilitador e de uma capacidade de perceber e explorar nichos ou descobrir oportunidades.

Bem sei que um processo estruturado de internacionalização pode ser um investimento elevado, designadamente se implicar reforço produtivo/ industrial. Desde logo pela redefinição da capacidade instalada, dos testes de mercado, de constituição da equipa interna de apoio, de redes de contactos e parceiros, de estudos de percepção e adequação dos produtos, tradução das embalagens, estratégias de penetração, de comunicação, etc, etc, etc…

A capacidade (e experiência) de perceber as nuances do mercado é cada vez mais um asset da empresa. Quando sabemos que poucas (6) foram as empresas que apresentaram candidaturas a fundos de internacionalização nos últimos anos (dados do ICEP), será fácil concluir duas coisas: ou não existe apetência ou interesse; ou as fórmulas actuais estão desfasadas das necessidades.

Especialmente em época de crise, em que as empresas salvaguardam-se limitando os custos e o investimento, é necessário que seja o Estado a promover e facilitar o acesso aos mecanismos que tem ao dispor dos empreendedores. Chama-se a isto adaptar as medidas ao seu público-alvo. Até porque são desenhadas para estes.

Os portugueses têm (por hábito) tendência a exigir do Estado todo o tipo de subsídios. Fomos ficando dependentes dos dinheiros públicos, dos fundos de emergência, da PAC, do RIME e outros fundos comunitários. Defendo, no entanto, que o estado pode, e deve, investir em campanhas que dêem visibilidade aos “nossos” produtos, cá dentro e lá fora. Não privilegiando marcas, produtores ou empresas, mas os produtos ou regiões de origem; a par do apoio à certificação e à denominação de origem. Como aliás é feito com os produtos turísticos nacionais (Algarve, Madeira, Costa Azul, Portugal, etc.).

Portugal tem um conjunto de produtos que são do melhor que existe. Nem me refiro aos mais tecnológicos, que também temos, mas aos mais tradicionais. É aqui que entra a minha visão de internacionalização e o objectivo deste texto.

O País é rico em produtos típicos certificados, de valor acrescentado (e percebido) como os azeites; a carne de bovinos; a carne de caprinos; a carne de ovinos; a carne de suínos; os hortícolas; o mel; outros frutos; e outros produtos à base de leite (segundo a classificação do Ministério da Agricultura).

Dos enchidos de porco preto do Alentejo até à posta Mirandesa; passando pelos vinhos verdes do Minho aos tintos do Algarve, sem esquecer o da Madeira; da azulejaria de Sintra, às faianças das Caldas da Rainha, dos queijos da Serra da Estrela aos de Serpa; nas carnes de vaca DOP; das compotas; as frutas de regiões certificadas, da Maçã Bravo de Esmolfe à Laranja do Algarve, enfim, bastantes produtos com potencial.

Muitos mais produtos estão em processo de certificação (como o medronho do Algarve, só para referir um). Este caminho leva-nos não só ao estímulo dos pequenos produtores, como ao apoio de um tecido produtivo com potencial de crescimento sustentado, designadamente em termos de recursos humanos e de colecta de impostos. Dois importantes objectivos de qualquer Governo, i.e. aumentar o emprego e as receitas fiscais.

Os produtos designados em cima têm qualidades endógenas suficientes para permitir um posicionamento de excelência em mercados que pagam essa qualidade (entenda-se aqui como diferenciação positiva).

Recordo uma conversa, há cerca de um ano, com um dos responsáveis da Quinta do Freixo que dizia não conseguir rotular de Biológica a sua gama de doces e compotas de fruta, embora a fruta seja produzida em agricultura biológica, porque um dos ingrediente, o açúcar, não o é! Para quem não conhece, estes produtos são vendidos em várias lojas Gourmet pelo País e são, neste segmento, do melhor que produzimos no Algarve e em Portugal.

O Estado deve apoiar as redes de produtores, desde que estas estruturas concentrem a política de preços, a política de distribuição e de comunicação de toda a área de certificação. A “marca” hoje em dia desempenha um papel fundamental no sucesso dos produtos, pelo que importa concentrar o investimento no menor número de marcas possível. Outra dificuldade reside no acesso aos mercados finais. Também aqui esta forma de concentração permite ganhos consideráveis. As margens que são distribuídas ao longo do percurso podem ser canalizadas para investimentos, desde que assumam na organização de produtores as funções de negociação e venda (directa) nas centrais de compras ou mesmo nos maiores retalhistas, designadamente na grande distribuição e outros sectores mais concentrados.

A SONAE teve um papel importante, até inovador, ao dinamizar um clube de produtores onde adquire alguns produtos alimentares, beneficiando da comunicação desse facto (produtos de quintas portuguesas) para além de outros factores, mas que permitiu também a esta rede de produtores beneficiar da parceria. Neste momento, membros deste “clube” estão a exportar para vários Países, beneficiando também das exigências ao nível do controlo da qualidade, higiene e segurança alimentar impostas pela SONAE.

Este é um caminho impossível de inverter. Conversava com um engenheiro agrónomo responsável por uma exploração de Maçã da região de Alcobaça, que por imposição de compradores ingleses, foram obrigados a equipar as explorações com casas de banho portáteis para o pessoal agrícola, para além de regras muito rígidas na utilização e armazenamento de químicos agrícolas. Estas boas práticas são por isso fundamentais à internacionalização da nossa economia.

Uma forma de iniciar um processo de internacionalização a custos controlados, digamos assim, reside na venda directa dos produtos. Os mercados estão cada vez mais próximos. Os eixos rodoviários permitem aceder em poucas horas, ou escassos minutos, a um grande mercado – Espanha –. Este pode ser o início de um processo de crescimento/ desenvolvimento por via da exportação. Haja vontade e imaginação. Mas sobretudo visão.

As próprias Câmaras Municipais podem desempenhar um papel importante, designadamente na organização de missões empresariais. Fazem-se tantas geminações por motivos insondáveis, porque não por motivos económicos.

Existe também algo a fazer ao nível da legislação, designadamente fiscal. Desde a redução dos atrasos na devolução do IVA, até à permissão de determinadas amortizações incorpóreas e custos inerentes à operação de internacionalização.

Um entrave previsível reside na baixa qualificação dos gestores das Micro e PME’s. Estas empresas têm, normalmente, uma estrutura familiar. São geridas pelo seu proprietário, normalmente fundador, sem formação em áreas de gestão, economia, marketing, gestão de recursos humanos, entre outras, embora com competências acumuladas ao nível do negócio. Têm pouca capacidade de planeamento, problemas de financiamento (ou cobrança) e pouca cultura empreendedora, que limitam esta fórmula de sucesso.

Aqui, seguindo os princípios do Choque Tecnológico que este Governo preconizou, com a “facilitação” de 1000 recém-licenciados nas empresas, pode ser, se bem aproveitado, uma forma de trade-off entre a pouca formação dos donos das empresas nas áreas que referi em cima, e as poucas (ou nenhuma) competências concretas e experiência do jovem licenciado. Esta fusão aumenta as competências dos dois. Ganha a empresa, ganha o empresário, ganha o empregado. Ganha, sobretudo, o País.

Exportem, internacionalizem-se, empreendam. O País necessita mais de um tecido produtivo dinâmico e em expansão, que equilibre a nossa balança comercial e crie valor, do que uma OTA, um TGV, uma pontes e estradas ou uma série de investimentos (será que são?) que se perspectivam.

Será que ninguém percebe que o País só sustentará o desenvolvimento à custa da produção e da produtividade?

Com as importações a crescer mais que as exportações, quando é que algum Governo decide criar um ambiente político facilitador?

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