“Light”
Publicado no Jornal do Algarve
Quando comemos um iogurte com alegada (e comunicada) acção terapêutica sobre, por exemplo, o colesterol, estamos a consumir um medicamento? Em termos da legislação portuguesa, ainda não. Mas é certo que alguma confusão existe e a apropriação de características dos medicamentos é corrente e amplamente comunicado. Seja em meios de comunicação (above the line), seja nos rótulos das embalagens.
A segurança alimentar deve ser o objectivo de qualquer produtor. Mas quem o garante? Neste momento, o INFARMED (Ministério da Saúde) tem a tutela dos medicamentos e a Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar (Ministério da Agricultura) dos suplementos alimentares. Mas quem me garante, de facto, a qualidade e cientificidade das campanhas de comunicação que me impactam diariamente?
A título de exemplo, alguns produtos alimentares garantem que têm a DDR (Dose Diária Recomendada) de determinada vitamina. O que acontece se uma criança com bons hábitos alimentares consumir vários desses produtos por dia, durante um determinado espaço de tempo? Naturalmente que a responsabilidade do acompanhamento alimentar, neste exemplo, é dos pais, mas não é fácil garantir o controlo quando o acesso ao ponto de venda é fácil e o estimulo ao consumo constante.
Outro problema reside na definição conceptual de alimento “light” e “diet”. Estes anglicismos não são explicados, mas são abusados como forma de desinformar qualidades de alguns produtos. Aos produtos alimentares “diet” é retirado determinado componente (glúten, açúcar, etc.). Já o “light” compreende uma redução calórica (25%). Na prática, ambos têm menos açúcar ou gordura, face às restantes gamas, mas a variação pode não ser suficiente (ou cumprida). Aqui entra a nossa percepção. Aqui entra a alteração da nossa percepção. Aqui entra o esforço de marketing.
Uma família jovem, com um bebé, por exemplo, que consuma leite magro especial vitaminado com suplemento de fibras, ao introduzir na dieta alimentar do infante, poderá trazer repercussões não negligenciáveis!
A força das marcas e os condicionantes que nos são impostos por via de alguma sugestão comunicacional, designadamente o impacto disso nas relações sociais e na construção da nossa vontade, garantem o sucesso. E as receitas, já que estes produtos são mais caros que os outros. Os resultados estão em sua casa. Faça uma visita ao seu frigorífico ou ao armário. Os produtos já lá estão...
O problema que se levanta com a auto-regulação e a assunção de ética empresarial é desviante, já que, parafraseando um artigo polémico do ano passado, apoiado na Lei de Gresham: "a má moeda expulsa a boa moeda"…
Existe por isso um conflito, com impactos na concorrência. O Estado, enquanto regulador, deve rapidamente legislar no sentido de evitar riscos, até, no limite, de saúde pública. Não sabemos o que pode ocorrer às pessoas que têm uma alimentação equilibrada e depois consomem, por via destes alimentos com suplementos, excesso de alguns componentes, continuada e reiteradamente.
Não sou favorável a grandes limitações às estratégias comunicacionais, mas é necessário distinguir (até nos lineares dos supermercados), por exemplo, um sumo de fruta de um refrigerante com suplemento vitamínico. A escolha cabe aos consumidores, mas que seja uma escolha informada, concorrencial e clara.
O aumento do peso médio da população portuguesa, a par com a sedentarização e a alteração dos hábitos alimentares (substituição da slow food mediterrânica, pela fast food americana) exige dos governantes e legisladores alguma atenção e reflexão.
Por Jorge Lami Leal
2006-01-02
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