2006-02-10

Liberdade
publicado no canallagos; aqui

O pináculo da democracia é a liberdade de expressão. Sem ela, não conseguimos exercer os seus desígnios subsequentes. A crítica, a ridicularização, até a blasfémia são hoje meras palavras de contexto. Onde acaba a autocensura e começa a censura? Onde acaba a liberdade e começa o desrespeito? O que é interpretação e o que é intenção?

No estádio de evolução da sociedade ocidental, ainda não existe espaço para algumas liberdades, castrantes do sentido mais lato do livre arbítrio a que temos direito pela lei fundamental da república – a Constituição.

Refiro-me concretamente à assunção de que existe uma permissão tácita aos cidadãos de se expressarem livremente. Tal é falso. Os racistas, xenófobos, fascistas, nazis, comunistas-fascistas, radicais de esquerda e de direita, enfim, todos os que são contra a democracia como a conhecemos e queremos, têm a sua liberdade de expressão condicionada. Falta fazer esta reflexão antes de criticarmos o acesso de raiva de agrupamentos de fanáticos, um pouco por todo o médio oriente. A que chegarei mais tarde.

Em Portugal, por exemplo, não podem ser constituídos grupos políticos fascistas. Ora aqui está um exemplo de alguma xenofobia (à falta de melhor conceito). Lesamos convictamente os direitos dos que não concordamos no plano ideológico! Como somos dominantes, impomos a nossa vontade sobre o seu livre arbítrio. Pessoalmente, considero mais acertado permitirmos, enquanto sociedade, a existência de movimentos fascistas, legais, controlados, do que grupos subterrâneos, sem controlo e encobertos. Eles existem, não tenhamos dúvidas disso.

As declarações políticas do Ministro dos Negócio Estrangeiros, que vincula enquanto tal o Estado Português, é uma negação absoluta (e absurda) daquilo que se espera de um governante. Como é possível que o MNE lamente e discorde “da publicação de desenhos e/ou caricaturas que ofendem as crenças ou a sensibilidade religiosa dos povos muçulmanos”? Está, nesse caso, a insinuar que a liberdade de expressão deve ser limitada aos que criticam o fanatismo islâmico, gerador de conflitos (como se pode ver no ataque a embaixadas dinamarquesas e até americanas). Não “li” nos cartoons ofensas à religião (itself), mas apenas uma primorosa sátira. Aliás, os radicais não perceberam que ao atacarem os dinamarqueses com este nível desproporcionado de violência (física e económica) estão a dar razão aqueles que publicaram os cartoons.

Voltando às declarações de Diogo Freitas do Amaral, ou melhor, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, ou ainda, de Portugal (começa a afirmar que Portugal lamenta e discorda da publicação de desenhos…) só tenho a dizer que não fala por todo o Portugal. Provavelmente nem pela maioria dos portugueses, logo, de Portugal. Como se viu, aliás, na Assembleia da República. A oposição e Manuel Alegre contestaram as declarações. Muitos outros na sociedade civil o fizeram e fazem.

Por fim, chego ao abjecto drama que foi lançado pelos radicais. Os criativos que produziram os 12 cartoons, no âmbito da liberdade de expressão (nunca é demais frisar) estão escondidos, pois já têm a cabeça a prémio. Já se estimam, também, em centenas de milhões de Euros os prejuízos anualizados que os embargos decretados à Dinamarca podem causar. Ou seja, o aumento do desemprego e a falência de empresas. Não será isto uma forma de terrorismo económico? Que culpa têm os dinamarqueses que um jornal tenha publicado uma determinada peça? O governo dinamarquês já disse que existem tribunais para dirimir eventuais conflitos. Mas isso já é civilização a mais...

Já agora, a religião muçulmana não permite a representação do profeta. Mas esta interpretação é recente. Existem representações islâmicas com alguns séculos…

Será que se estes cartoons fossem publicados nos EUA a reacção seria a mesma? E as contra-reacções?

Aqui ficam algumas frases para reflexão:

“As religiões, prometendo infernos além deste mundo, foram mais inventivas que Deus.”
Camilo Castelo Branco

“Instituição divina há uma só: o mundo.”
Camilo Castelo Branco

“O conformismo é carcereiro da liberdade e inimigo do crescimento.”
John F. Kennedy

“Os que negam liberdade aos outros não merecem liberdade.”Abraham Lincoln


“A multidão é sempre imbecil. Demos-lhe a liberdade, mas nunca o poder.”Gustave Flaubert

“Quando não há, entre os Homens, liberdade de pensamento, não há liberdade.”Voltaire

“A liberdade é a única riqueza, porque do resto somos ao mesmo tempo amos e escravos.”
William Hazlitt

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