2006-02-06

Que Estado?
Publicado no Magazine do Algarve

Com o desenvolvimento da sociedade, os laços pessoais e até familiares esbatem-se, o sentimento de pertença a uma comunidade é reduzido e os processos de socialização são condicionados; até por acção das novas tecnologias, que, se por um lado, aumentam a possibilidade de contacto à distância, por outro, provocam quebras nas relações sociais de proximidade.

A democracia portuguesa, com mais de trinta anos de evolução, foi normalizando o País e transformou por completo as instituições públicas. Ocorreu uma mudança no papel do Estado e essencialmente dos representantes (in)directos da vontade popular, i.e. os políticos. Mas esta vontade foi ganhando alguma abstracção; filtrada e interpretada pelas elites partidárias. Deu-se também uma semi-profissionalização desta actividade pública. A política deixou de ser uma actividade pontual, para criar um segmento de pessoas que vão sendo eleitas ou nomeadas, fazendo disso a sua carreira. Os exemplos estão por aí, não necessitando de concretização.

Mas o “julgamento” dos políticos é feito, tantas vezes, à luz de conflitos pontuais ou resultados de curtíssimo prazo. Esquecendo porventura as acção de médio e longo prazo que algumas políticas têm, favorecendo tantas vezes ciclos políticos de partidos opostos.

Hoje debate-se essencialmente aquilo que os vários governantes não conseguiram fazer. O estado a que chegaram as finanças públicas, o défice, etc. Quem “meteu” mais funcionários públicos, nomeou mais dirigentes ou contratou mais assessores. Quem criou mais institutos públicos. Enfim, quem foi o “pior”. Comparativamente.

Esquecemo-nos que os momentos políticos são perecíveis e irrepetíveis. Cada legislatura teve as suas idiossincrasias e cambiantes.

Não acredito que um governante não trabalhe no sentido de contribuir para o desenvolvimento do país. Mas isso não significa que as opções que toma sejam correctas.

Estas discussões são muito interessantes do ponto de vista sociológico ou até filosófico. Como por exemplo, o da definição de Estado. Ou melhor, do tipo de Estado que queremos.

Mas a discussão em torno de um Estado mais racional, que actualmente pode ser um factor limitador da concorrência no mercado global, através da carga fiscal necessária ao seu financiamento (metade do PIB), não é mais que uma espécie de utopia. É lógico que uma administração eficiente dos recursos é urgente! O problema chega quando implica reduzir ou fechar serviços.

Este tema pode ser difícil para alguns quadrantes da sociedade portuguesa, mas é inevitável. O Estado vai ter que emagrecer mesmo! Vai ter que redefinir-se e redireccionar os seus esforços, vai ter que ser mais eficiente e, acima de tudo, vai ter que prestar um serviço de qualidade. Vai ter que rejuvenescer os seus quadros e vai ter ainda que imprimir uma nova flexibilidade na contratação e despedimento na função pública. Sem dogmas e sem receios de perseguições políticas. É necessário por isso responsabilizar a classe política pelo resultado das suas acções. Não apenas no quadro eleitoral ou político, mas sobretudo ético, moral e até jurídico.

Quando se projectam Expos, estádios de futebol para o Euro ou outras infra-estruturas deste calibre, existe sempre uma factura a pagar. Desde logo e mais tarde. Como já existem perspectivados outros projectos de grande amplitude e consumo de recursos colectivos, é imperativo reflectir de onde virá o dinheiro para a sua construção. E manutenção. No limite, é necessário perceber que outras medidas ou projectos não serão concretizados, por falta desse capital.

Hoje, o cidadão português médio tem os seus filhos nas escolas e universidades públicas, utiliza os hospitais e centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde. Conduz o seu carro nas estradas públicas. Vai ao Teatro altamente subsidiado (edifício/ companhia/ peça). Faz natação nas piscinas municipais… Ou seja, frui de serviços e bens públicos, mesmo aqueles que não contribuem pagando os impostos devidos.

Necessitamos pensar agora, enquanto fazemos o IRS de 2005, depois de percebermos qual vai ser a nossa contribuição líquida para a fazenda pública, se pretendemos continuar a pagar tantos impostos, ou se preferimos pagar menos, com a necessária redução daquilo que podemos pedir do Estado. Este será o desafio das próximas décadas.

por Jorge Lami Leal

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