A OPA, a globalização, o liberalismo e as dores de dentes
Publicado no Região Sul
Começa a não fazer sentido castrar o liberalismo no quadro da dicotomia clássica esquerda/ direita. Há muito que evoluiu num outro sentido.
Desconfio que as gerações do pós-25 de Abril (com mais acuidade nas mais recentes) deixam de (querer) estar rotuladas de acordo com os standards ideológicos. Não só pela crescente relativização que os principais partidos lhe reservaram, como pela praxis, cada vez mais, se distanciar do enfeudamento ideológico de outrora.
Ferreira Borges conceptualizou, há 175 anos, que os impostos cobrados pelo Estado aos cidadãos devem ser adequados aos benefícios que dele retiram.
Existem incongruências entre aquilo que é pago, por via dos impostos e taxas, e aquilo que é recebido. Especialmente pelas classes de rendimento médio e alto. Ou seja, as classes que mais contribuem são também as que menos utilizam, que não querem utilizar e que se quisessem, com o nível de acessibilidade e de serviço, mais rapidamente pagam a alternativa.
Mas a teoria dominante implica uma redistribuição dos rendimentos, pela aplicação de taxas progressivas. Ou seja, taxam os mais produtivos. Como exemplo, comparo dois rendimentos, 2000€ e 1500€ mensais. Ao primeiro é retido 18,5% do seu rendimento, ao segundo 12,5%. Ou seja, um ganha mais 25% que o outro, mas paga mais 27% de impostos. Outro exemplo: se compararmos dois rendimentos, de 600€ e 900€ mensais, o segundo ganha mais um terço (33,3%) que o outro, mas retém mais do dobro (53,3%). Não fiz comparações entre rendimentos completamente desproporcionais para não entrar em demagogia, mas quero deixar claro que defendo que a competitividade fiscal deve ser uma preocupação estratégica e que induza o aumento da produção individual. Por enquanto, não é!
Este Governo, com base nas ideias e projectos que tem apresentado para a reestruturação da Administração Pública, não se pode esconder na doutrina social-democrata do PS. Tem assumido uma postura mais próxima da liberal. Vai ter, em breve, um Presidente da República que iniciou a liberalização económica do País, designadamente com a destatização da economia. Será um “momento” interessante.
Isto leva-nos à Oferta Pública de Aquisição que o maior empreendedor nacional, gestor e accionista principal do maior conglomerado português (líder mundial nos aglomerados de madeira), anunciou. Não saberemos tão cedo o que vai acontecer, consiga ou não adquirir o controlo da empresa de telecomunicações. Mas este desafio é um sinal importante à economia nacional. Muitos receios existem, mas num mercado livre, é de apoiar esta apresentação de força. Fique ou não com a PT, o Engenheiro conseguiu ser notícia durante semanas e continuará a sê-lo até que este país de joelhos, prostrado ante a crise (de confiança ou outra), se aperceba que existem empresários que ainda acreditam que vale a pena investir em Portugal. Apenas para ressalvar que se trata de alguém que já emprega mais de 50.000 pessoas. É este o caminho. Até hoje, a política não é “produtiva”… os empregos sustentáveis conseguem-se com iniciativa privada.
A PT é um gigante à escala nacional, actuando com tiques de monopolista e com um preço completamente desadequado do serviço. A entrada de Belmiro de Azevedo no seu capital serviria dois objectivos comuns: a “privatização” das mentalidades deste grupo; e a sua reorientação estratégica para o mercado. A descida de preços que é aventada não passa, para já, de uma divagação onírica, mas que se pode traduzir em ganhos competitivos, especialmente na rede móvel e cabo ou mesmo se a rede cobre for alvo de uma reformulação. Estou certo, no entanto, que ao nível do serviço (pós-venda/ assistencial), a presença de Belmiro de Azevedo trará uma evolução substancial. O que também não é difícil…
Já as dores de dentes, como as de cotovelo, são as mais intensas e reflexivas.
Não pretendo fazer futurologia, mas o Governo está com um dilema entre mãos. Ceder à pressão da UE e OCDE e deixar cair as golden shares que mantém em sectores que considera estratégicos, ou aceitar o mercado e deixar a SONAE fazer novamente história.
Não acredito em sectores estratégicos na óptica do Estado. Mas apenas na óptica do mercado. Qual é o receio do controlo mudar? Não será uma estratégia mais acertada do que deixar a Telefónica, a seu tempo, adquirir a PT? É tempo do Estado deixar de acumular as funções de regulação dos mercados com as de participante. Da comunicação social até aos combustíveis, o Estado deve vender ao mercado as suas participações. Que os seus recursos e esforços sejam aplicados no sentido de melhorar as áreas-chave do esforço público. Que os “nossos” recursos sejam aplicados no sentido de melhorar as áreas-chave do esforço público.
2006-03-10
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