2006-04-28

Conflitos confluentes
Publicado no Jornal do Algarve

O conflito latente com o Médio Oriente, especialmente com os países islâmicos, é potenciado sobretudo pelos estágios de evolução das duas partes. Ou até da capacidade de interpretar essa condição, mais ou menos abstracta, mas fundamental.

Alguns conceitos que actualmente damos por adquiridos, como a liberdade (relativa, pois a total é utópica) a democracia, a tolerância, entre outros, são contemporâneos. Recuando menos de um século, os valores eram diferentes, o ocidente tinha “outras” limitações. A sociedade era altamente hierarquizada e elitista. Existiam vários regimes totalitários (socialistas e fascistas). A maioria da população vivia em condições desfavoráveis. As assimetrias eram evidentes e perpetuadas.

Com a subsequente terciarização da economia “pós-industrial”, começou a distinguir-se uma classe média com rendimento disponível para investir, por exemplo, na educação e na cultura, com impactos na necessidade de acesso à informação e à formação de opinião. Em Portugal, conseguimos em menos de duas gerações transformar um País obsessivamente católico, profundamente pobre e “orgulhosamente só”, numa nação onde existe liberdade, por exemplo, para escrever (e ler) este artigo de opinião.

As comparações entre o Ocidente e o Médio Oriente não fazem por isso sentido. A nossa sociedade está num estádio diferente. A liberdade religiosa, ou a de expressão religiosa, ainda é um dogma no Islão: em certos Países, existe pena de morte para aqueles que se convertem a outra religião. Mas há poucos séculos o Ocidente tinha a Inquisição e as suas “fogueiras”. Já ninguém se recorda o que aconteceu aos Judeus, expulsos da península pelas coroas dos respectivos reinos? E há pouco mais de 50 anos, foram dizimados, na Europa e a mando também de Europeus, milhões de judeus.

Felizmente que ocorreram evoluções que nos permitem, hoje, esta postura de arautos da liberdade, mas é necessário ter a história presente.

Ainda assim, existe um equilíbrio geopolítico quase salomónico. Não fosse o petróleo, pouco nos preocupávamos com aquele fundamentalismo, que estaria certamente numa situação contida, sem financiamento ou até fundamento. Seriam apenas alvo de incursões da National Geographic Society. Mas têm ouro negro a verter pelos desertos mais inóspitos. Enquanto isso ocorrer, o Ocidente irá manter esta postura de passividade, evitando conflitos abertos que possam provocar (ainda mais) a subida do preço do petróleo, para níveis que ponham em causa a economia mundial, pelo menos como a conhecemos hoje. Alguém viu forças internacionais “libertadoras” encetar conflitos em países sem recursos “naturais”, embora governados por déspotas sanguinários?

Não estou convencido que a religião seja a grande diferença. Durante muitos séculos conviveram na Europa, nomeadamente na Península Ibérica, cristãos, árabes, judeus, entre outros, em harmonia e coabitação económica e até social. Porque foi quebrado o status quo em poucas dezenas de anos (com mais acuidade na última década)?

As necessidades de combustível para alimentar a máquina produtiva ocidental tornaram o Médio Oriente apetecível, especialmente para as grandes corporações americanas e britânicas. Esta foi a origem do problema, logo no início do Século XX, precisamente no Irão!

O problema do Médio Oriente, no limite, fica resolvido quando acabar o seu petróleo… porque são altamente dependentes de tudo o resto, especialmente em termos alimentares!

Até lá, não acredito que haja forma de resolver o fundamentalismo islâmico, que se manifesta sob a forma de terrorismo; pode ser no entanto relativizado pela via diplomática e económica.

Mas existem células terroristas espalhadas pelo globo que podem ser activadas e causar um estado de pânico civil generalizado, como as mortes brutais que infligiram nas Torres Gémeas, um símbolo sádico e indelével do seu alcance. Uma intervenção militar mais generalizada, neste caso, trará poucos benefícios e muitos custos. Sem esquecer que existirem “certos” Países que se sentam no Conselho de Segurança da ONU, designadamente no Permanente, com direito de Veto.

A diplomacia só funciona se a ameaça de um ataque circunscrito a instalações nucleares específicas for provável… A questão não é se poderá ocorrer, mas quando!

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